A Bruxa e o Lobo
- Amanda Wamy
- 9 de mai.
- 7 min de leitura

Perseguição.
Medo.
Dor.
Uma jovem bruxa, um lobo e uma maldição que se perpetua por gerações.
Não era apenas uma história contada ao redor das fogueiras — era a verdade que, por séculos, tentaram esconder de nós.
Me chamo Charlotte Redhat. Muitos pensam que sabem como minha história começou e acabou, mas acreditem: todos nós fomos enganados. Todos. Inclusive eu.
Tudo o que me contaram — sobre lobos maus, bruxas perversas e florestas traiçoeiras — não era toda a verdade. Era apenas o pedaço que interessava àqueles que precisavam esconder seus próprios pecados.
Cresci acreditando que era apenas uma jovem especial, protegida por uma linhagem antiga. Mas o que nunca me disseram é que minha família foi responsável por lançar uma maldição que atravessou gerações...
E agora, a dívida recaiu sobre mim.
Tudo começou em 1225, quando a caça às bruxas alcançou nossa linhagem. Em cada tribunal, em cada julgamento, mulheres — como as da minha família — eram acusadas de feitiçaria, de heresia.
Mas não era apenas a magia que nos tornava alvo. Era o que representávamos: poder, ancestralidade e um segredo guardado a sete chaves.
Uma bruxa muito poderosa chamada Helena Alnitak sabia que a única forma de proteger a nossa linhagem era criar uma armadilha — uma maldição que nos amarraria ao destino, mas nos garantiria a sobrevivência.
Ela a lançou, sem saber que a verdadeira monstruosidade não viria do feitiço em si, mas do preço que ele exigia: a perda da alma de um homem — mas não da consciência.
Foi assim que o lobo surgiu. Amaldiçoado, destinado a caçar e matar, por gerações, todos aqueles que pudessem ser uma ameaça à nossa magia... até que uma bruxa da família quebrasse o feitiço.
Faltava um dia para o Yule, e eu, sendo a bruxa mais nova da minha família, estava em frente à Floresta das Memórias — lugar sagrado para todas que tinham sangue mágico correndo nas veias.
Ali, milhares de nós fomos torturadas, violadas e queimadas. Muitas famílias já haviam colocado suas oferendas para os antepassados ao longo da semana. Sempre em duplas — o mais novo e o mais velho de cada família — era a garantia da descoberta de novos poderes e da transição dos costumes.
E lá estava eu, segurando minha cesta, encarando a floresta, enquanto esperava minha avó — que, curiosamente, estava atrasada.
Meu terceiro e último poder estava prestes a ser revelado, e eu estava ansiosa para o que viria a seguir.
Telepatia e sinestesia eram desejados por muitas bruxas, e eu, por alguma razão, tinha ambos.
Rapidamente, o clima começou a mudar. O céu, que antes estava azul e sem nuvens, agora se tornava cinza, com nuvens pesadas e ventos que sacudiam as árvores com violência.
Encarei a floresta, que parecia sussurrar algo sagrado — algo que eu não conseguia compreender. Em seguida, olhei para meu relógio:
— Tinha que parar logo agora?
Segurei meus cabelos rebeldes e suspirei, pensando: “Será que a floresta quer falar comigo?”
A floresta não era um lugar triste, embora fosse sombria. Era um lugar sagrado.
Nela habitava uma criatura que a protegia de olhares curiosos e mal-intencionados: um lobo negro, de olhos dourados.
— Entre, sua avó não vai aparecer! — uma voz ecoou na minha cabeça.
Meu coração disparou.
Quem sabia dos meus poderes?
Coloquei a cesta no chão e olhei ao redor, tentando não parecer apavorada.
— O que você procura não está do lado de fora da floresta, está dentro. — A voz, masculina, era grossa e parecia cansada.
— QUEM É VOCÊ? — encarei a floresta.
— Você quer respostas e eu quero a solução para o meu problema. Você me deve isso!
“Calma aí... Como consigo ouvir a voz dele se ele não está ao alcance dos meus olhos?” — eu tentava me manter racional.
— O que você está esperando? Entre! Só assim conseguirá salvar sua avó!
— NÃO POSSO ENTRAR NA FLORESTA SOZINHA NO DIA DE HOJE. VOCÊ DEVERIA SABER DISSO, NÃO? — gritei em direção às árvores.
— Você já tem dois poderes. Ficar sem o terceiro não vai fazer diferença.
— O QUE VOCÊ QUIS DIZER COM SALVAR MINHA AVÓ?
— Calma. Ela está segura... por enquanto. A escolha está nas suas mãos: salvá-la ou ter seu terceiro poder!
Naquele momento, fiquei em dúvida se a voz dele estava cansada ou despreocupada — como se não tivesse nada a perder.
“Será que ele me faria mal?” — pensei, andando em direção à floresta.
Seja lá quem fosse, eu o encontraria a poucos metros.
Antes de entrar, lembrei do que minha avó sempre fazia: sussurrava o nome da fera — a protetora da floresta — com a palma da mão esquerda no chão. Assim, a fera saberia que deveria ficar por perto para proteger as bruxas de qualquer perigo.
Fiz como ela:
— Livon, fique por perto!
Logo que me levantei, ouvi um rosnado. Sorri, contente por ele ter atendido meu chamado, e entrei na floresta, sabendo que perderia meu terceiro poder... mas salvaria minha avó.
Por alguma razão, não segui a estrada que levava até a clareira. Segui o caminho mais difícil.
E quando já não conseguia mais ver o caminho por onde viera, vi a fera diante de mim. Era muito maior do que eu imaginava.
Ele rosnou novamente. E Quando os olhos dourados dele encontraram os meus, algo rompeu.
Não foi um som. Foi um cheiro.
Fumaça.
Carne queimada.
Pânico.
A floresta sumiu — e, em seu lugar, uma praça tomada pelo fogo.
Eu não estava mais no ano de dois mil e vinte e cinco. Estava na memória dele.
Eu sabia. Mas as imagens eram tão reais que senti vontade de correr e me esconder.
Uma grande fogueira estava montada onde seria o centro da clareira — naquelas imagens, o centro do vilarejo.
Oito mulheres estavam amarradas, enquanto crianças choravam e pessoas gritavam:
— QUEIMEM AS BRUXAS!
Eu não era mais eu. Eu era ele.
Meus braços eram fortes, minha voz, de ferro. O inquisidor.
Olhei para a fogueira. Ao lado, gaiolas com mais mulheres presas, tratadas como animais selvagens.
Ele acendeu a tocha e a jogou na fogueira.
As mulheres começaram a gritar e chorar — exceto uma.
Ela era a última da fileira. Estava com o olhar fixo no fogo que vinha em sua direção, enquanto sua boca se movia muito rápido.
Eu sabia: ela estava recitando um conjuro.
O fogo já estava diante dela quando ela gritou:
— Elias Von Rothdivin, o que você abomina será sua maldição.
Na próxima lua cheia, você mudará.
E os que nos caçaram, você os caçará — sem clemência e sem perdão.
Pela eternidade, a maldição te acompanhará.
Só a magia de origem poderá te salvar!
A cena se desfez no momento em que a fumaça cobriu as mulheres, e o cheiro de carne queimada dominou o ar.
— Você era aquele homem?
— Surpresa?
“A voz!” pensei. A voz que falava comigo antes era a dele. Ele estava com a minha avó!
— Cadê minha avó? — minha voz saiu trêmula.
Um flash passou pelas minhas memórias — mas não era uma memória minha. Era dele.
Minha avó estava em um lugar escuro. Eu vi.
— Você não pode me machucar! Faz parte da sua maldição nos proteger. Proteger todas nós!
— Eu sabia que um dia alguém da sua família poderia me compreender. E veja só: esse alguém é você. Telepatia... que dom extraordinário! — a calma dele me assustava.
— Agora você é um admirador da magia? Que ironia! — sorri, sem paciência.
— Quero que use sua magia para desfazer a maldição de Helena Alnitak e descobrir onde ela prendeu minha alma.
— Não posso desfazer a maldição dela. Só alguém da linhagem dela poderia te ajudar.
E, pelo que sei, a linhagem dela terminou cinco anos depois que ela foi queimada por você.
Vocês caçaram todas elas. Vocês exterminaram a linhagem mais poderosa que já existiu!
— Fui incumbido de proteger todas vocês, todas! Vocês não poderiam me matar, e nem eu, a vocês. Ao contrário disso, matei todos que representavam uma ameaça para a magia.
O nome Felicia Redhat te soa familiar?
Eu era ele novamente.
Cada lembrança dele invadia meu corpo como se fosse meu: a tortura, o feitiço, a transformação.
Não eram apenas imagens — eram texturas, dores, sentimentos.
Estava em uma floresta, deitado à frente de um casebre.
Era só eu, o chão frio e a escuridão da noite.
Do lado de dentro do casebre, gritos de dor foram silenciados quando um novo choro cortou o ar: o choro de um bebê.
Fiquei de pé e olhei pela janela.
A mulher com a criança no colo era Angela Alnitak, irmã de Helena — que seria queimada cinco anos depois.
— Você vai se chamar Felicia Redhat, e terá um destino diferente do meu! — ela disse, olhando com ternura para a criança em seu colo.
A imagem sumiu, e outra surgiu.
Agora, flocos de neve começavam a cobrir o chão da floresta.
— Cuide dela, preciso ir até a cidade. Caso eu não volte, você sabe o que fazer! — Ângela disse para a fera, ao sair do casebre. E eu pude ver, sentada próxima à lareira, a criança — agora com cinco anos.
Um turbilhão de imagens passou.
Eu, sendo a fera, cacei para alimentá-la. Acompanhei-a, e vi se tornar adulta e formar a própria família.
Ela mudou de cidade. Eu a segui.
E mudou novamente. E de novo. E outra vez.
O que antes era um vilarejo, onde torturas aconteceram, agora havia sido abraçado pela floresta. Era onde estávamos.
— Então eu sou uma Alnitak? — recostei-me na árvore para me recompor, esperando a energia voltar ao meu corpo.
— Eu protegi vocês durante oitocentos anos! Vocês têm uma dívida comigo.
O destino, cruel e irônico, me colocou diante dele. E agora, oitocentos anos depois, ele sequestrou minha avó, querendo contar sua versão da história. Um conto de ódio, culpa e redenção.
— Quer que eu te agradeça por queimar mulheres? Se não fosse seu ódio pelo sobrenatural, não haveria maldição. Não haveria lobo. E talvez... nem Redhats.
— Se não fosse a maldição, todas vocês estariam aniquiladas — ele rebateu.
— Helena não teve escolha, a não ser te amaldiçoar. Não foi por ódio. Foi por desespero!
— Por ódio ou desespero, a maldição foi lançada. Minha alma, sugada — sabe Deus para onde —, e tudo que me restou foram lembranças de quem um dia fui. Acesse suas ancestrais através da magia e descubra onde minha alma está. Faça o feitiço de reversão e eu libertarei sua avó! — o plano estava bem estruturado na cabeça dele.
— E depois? Quando se tornar um homem novamente, vai nos caçar mais uma vez! — acusei.
— Eu não sou mais Elias Von Rothdivin. E estou cansado de ser Livon. Me dê a liberdade que tanto busco! — Sim, ele estava cansado.
Dizem que a intenção de Helena era nobre. Dizem também que o inferno é pavimentado com boas intenções.
Elias Von Rothdivin usou seu “poder” para destruir. Helena, de certa forma, também.
Então, seria eu, a trigésima primeira bruxa, a pôr fim na era de tortura e maldição?
Eu realmente queria libertar um monstro?
Genteeee eu amei 😱